quinta-feira

FESTANÇA DO DESVARIO



Em madrugadas assombradas pelos desejos
Os instantes se revelam instantaneamente,
E os sentimentos cobrindo a exterioridade,
Ocultam a racionalidade de uma mente.

A leviandade que chega com a desvaridez
Se transforma em um pássaro livre,
Que ronda o entardecer de um pensamento
Na mais horrenda atitude triste.

Um gosto de amor escorre pelo peito,
E sem que o destino os cerquem.
Sentem-se dividir um só deleito.

A brisa que retarda o amanhecer,
Toca suavemente o corpo e a mente,
E o que nos resta...apenas lembranças ardentes.

POEMA DAS FANTASIAS

Rude rosto estampado em caracóis,
Pele tonteante flutuando pelos lençóis.
Num breve balanço as flores se atrapalham,
Folhagens expelidas pelo chão se espalham.

Sussurros cegos à beira de hortaliças,
Maleim trêmulos o canto indagado,
Traçando no tempo o indefinido
Da vistosa luxúria de um amaldiçoado.

Sim! são os tabernáculos dos mortos,
Explorando a terra virgem,
Onde seus ciclos são reais
Em todo obstáculo da vertigem.

Meu céus! Céus, de quem és?
Sois da terra ou do mar?
Qual concebe a benção ao lhe beijar?

Como dizes manto abismal?
És tu amante das fantasias?
A profunda inspiração das utopias...



sexta-feira

LOUCAMENTE LOUCO

Nuvens que dançam lentamente nos céus...
Águas que murmuram na terra...
Instantes, momentos mágicos e estranhos.
Me confunde esse Todo...plenitude.
Minhas asas foram cortadas,
Meus pensamentos se limitaram ao serem decorados.
Não quero ser somente mais um grão nessa areia,
Nem apenas mais uma gota nesse mar.
Apenas quero flutuar pelo infinito.
Preciso dos compassos, não mais suporto essa música sem notas, sem ritmo, desarmonizante.
Ajuda? Não...não sei se preciso.
Não quero me sentar junto àquelas almas,
Não me arrependo do feito, portanto, esse lado do banco do julgamento não me pertence.
Fechei meus olhos...me deixe agora...
Hoje não é o dia nem o momento certo.
Sei que está tudo escuro e medonho e mesmo assim não quero sair daqui.
Enxergo luz nesse lugar, nessas palavras.
Só quero respostas sem sentido.
Não adianta, pode ler e reler.
Desperdício.
Troco palavras pelos sentidos,
Seus significados são metáforas denotativas.
Só penso e isso me basta, por enquanto.
Já que o custo do ato está tão alto,
Vamos esperar a inflação humana baixar!!!


quinta-feira

ADEUS


O silêncio gritante da escuridão penetra-me,
Escorre de meu tecido pálido...poros em sangue...
Sinto-lhe como estacas perfurando minha pulsação.
Tonteio-lhe com a saliva amarga da solidão
Até que embriagado sussurra-me o castigo do não.
Corro por entre mim mesma na absorvescência da ilusão
E meus olhos umidecidos ainda trapaceia-me com tua miragem.
Quero não vê-la ... como não lhe vejo agora...
Quero esquecê-la...como me esqueces agora...
Teu eflúvio ainda vagueia arrepiando minh'alma,
Fantasma...se ainda não pudesse tocá-lo em meu corpo.



Dize-me, você, como tornarei a olhar para o manto celeste,
Comtemplando a negridão do mistério cósmico,
Sem soprar meus pensamentos até seus olhos?
Dize-me, você, como tocar no negrume de meus cabelos,
Sentindo a extensidade dos fios sobressaltos,
Sem, em devaneio, deslizar meus compridos dedos pelo seu?
Dize-me você, como experimentar a brandura das nuvens em dia de verão,
Trasmutando-se em penugens celestes,
Sem sentir o arrepio de tua pele tenra unindo-se à minha?
Dize-me como gozar quando deleitar-me com o bálsamo das rosas,
Experimentando tuas pétalas orvalhadas,
Sem abarrotar-me de excitação pela umidez lasciva de teu corpo?





Passa da meia-noite, e tua ausência ainda grita em meus ouvidos...
Quem dera...ser-me surda para a ingratidão de teu amor!
Mas sou assim, esse turbilhão de esperança!
Se ao menos pudesse eu agora adormecer...
Meus sonhos o trariam de volta pra mim,
E na ebulição do nosso quimérico encontro,
Pudesse eu tocar-lhe mais uma vez....
Mas até mesmo o pálido sono abandonaste-me no altar dos sonhos...
E então...resta-me o atordeio dessa alma noctívaga!


quarta-feira

O DOMÍNIO DE UMA ALMA

 

A chuva é uma alma perdida
a sambangar solitária e deprimida.
Seu destino é chorar pelo nada,
e deixar que seus sonhos se esvaem pela enchurrada.
Tétrica, quando se debruça pela madrugada,
dilacerando os corações repletos de saudades emolduradas.
Suas lágrimas quanto choram penetrando nossos corpos
expelem desejos de euforia, até então, mortos!

Nuvens danaçando pelo céu enlamaçado
em junção cinzenta de amargor,
por onde centelhas fugazes, aguardam
até soltarem seu grito atrovoado, de dor.
E o canto sirênico atirando em nosso telhado
desperta o nosso mais profundo sentimento retalhado.
Lágrimas surgem dos nossos olhos soturnos e bruxeleantes,
e rolam por nossas faces, até
serem absorvidas por nossos lábios secos e intrigantes.
Vamos até a janela e observamos,
a enchurrada que parece arrastar consigo todos os nossos desejos, todos os nossos sonhos,
num só passaroco instante.

DUAS FACES

Chegou a noite....
Com seu silêncio atormentador, sua paz de abismo e a mensagem dos mortos.
A extensidade do bosque esconde o espírito maligno do vento forte e massacrador.
Diante da selva branca cor de alma e nédia sonhadora ambulante,
Desce das folhas o ameaçador e intrigante.
Já é clara a sombra mental!
Vagando em canto discreto, e
Despertando as flores que se refrescam no lago:
Espelho de estrelas narcisícas e bruxuleantes.


 é noite...
sucumbe no manto cinzento
a agonia do crepúsculo ausente,
é noite...
em que rastros pútrefos do silêncio
são pingos estranhos de chuva,
é noite...
sombras gargalham mudas
no chão umidecido do quarto,
é noite...
soluçam permeio as paredes ocas
os fantasmas da vaguidão,
é noite...
e noite é dia anoitecido
de tanta noite tendo amanhecido!

terça-feira

MELODIAS ESVERDEADAS

Nas noites profanas enfeitadas de brumas
Meus sentidos se equivocam além da fumaça latente
Cheia de coisas livres e coloridas.
Desço ao fundo do vale verde da selva
Que repousa com suas raízes difundidas num gesto esplêndido de amor.
Minha voz se espalha pela névoa
E é como um sopro, despertando as árvores carmesins.
E enquanto o delírio ocorre,
Me acompanha virtuosamente uma grande banda vegetal...
Num estúdio bosqueoso,
Onde pedras miraculosas se transmutam em baterias,
Gravetos anunciam suas formas efusivas de guitarra,
E capins adquirem correlatas a piano.
E assim, a natureza instrumental tange melodias brandas e cativantes... esverdeadas,
Envolvendo os zéfiros a brincar por entre as flores.
E o amor risca a neblina que esconde os deuses e os mistérios.
Flutuo de mãos dadas com as estrelas,
Rodamos pela imensidão do infinito,
Ficamos observando as árvores dançarem
Num ritmo sensual e desvairado...ao parar de um susto e timidez
Elas se transformam em figuras ocultas falazes
E apagam o chão e rareiam o ar!

segunda-feira

Elfo dos Sonhos!



Há ainda migalhas pelo chão.
O vento, sei, logo as levarão.
Me embrulho na manta da solidão,
Para que não me voe o que resta da paixão.
E inócua...fito os olhos no horizonte.
O que vejo?
Além do tépido anseio de possuir-lhe,
Que envenena meu sangue
Penetra com ardor em minh'alma
E esquizofreniza meus sentidos.
Será você...o Elfo que tanto procurei?
Teus longos fios de cabelos,
Ao se desmantelarem pelo zéfiro
Me cantam que sim!
Mas, amante, não posso me enganar.
A feiticeira da razão outrora prega-me estacas no coração.
Se assim, a lua beijar-lhe hoje,
Então, em todo bosque saberão.
Diante dela todos os lobos uivarão.
Que essas lágrimas que suavemente entorno
Minhas nódoas sangrentas limparão.

Encontro

Quando desprendeste de mim
No bucólico horário de tormentas
Espreitei-me contra teu vazio mordaz
E no sobressalto sórdido de seu sorriso mudo
Espalhou-se entre nossos olhares, o receio,
Outrora surrupiado pelo meu crepúsculo.
Abri-lhe os braços feitos à ilusão
E abracei-o como a noite abraça a escuridão.
Éramos só nós dois...na tenra misericórdia para a indecisão.
Mas não nos dissemos adeus...simplesmente partimos
Assim como céu e terra se partem no horizonte.






O Cemitério

Deita-te aqui, perto de mim!
Todo estendido...vem mais perto
Assim!
Para que não te descubras tanto.
Não quero que te toque o chão.
Deixa o teu manto de lã neutra morrer entre a terra e o teu corpo
Tenho ciúmes da terra
E sabes bem que ela há de ser a última a te possuir
Quando eu for somente um perfume na planície de asfódelos...
Fui feita para o amor
Os homens e as mulheres são iguais para mim
Ah, quando eu for somente uma luz subterrânea entre as sombras da paz
Farás minha sepultura e escreverás sob a taça e a serpente.
Serás bela e perfumada para que sinta sempre este meu cheiro de perdição.
O meu leito foi grande e sonoro de amor
Põe um silêncio grave entre os teus pés e a terra
Não me acordes viajor!
Esta é a primeira vez que me deito sozinha 
Pois se a terra a de ser sua amante e a minha, por que ter ciúmes dela?
Mas mesmo assim terei!
Quando dançares sobre as folhas cor de fogo a tua dança de fumaça, quase fugindo para o céu
Nos movimentos do teu amor impossível
Eu abençoei o outono que se estendeu pela terra o teu corpo de sono
Isolando os teus pés do chão corrupto
Como um homem que mal contém meu beijo;
E o teu olhar é distante como as montanhas
E os teus lábios são firmes e tem força da distância que os meus te perseguem,
Pois, com o manto de lã encobrirá nosso amor
Que para sempre reinará no leito da morte.




domingo

PALHAÇO GÓTICO

                                                       (Desenho em grafite, folha A3)

O que é um palhaço? Apenas um homem envolvido por roupagens imódicas a trazer de seu íntimo as vergonhas para transformá-las em riso? Ou, ainda, apenas um homem tenaz que com sua lupa de inspetor realístico leva para os palcos os fatos alheios temperados com pimenta que nos faz arder de rir? Ou, ainda mais, seria ele apenas um homem capaz de cativar o sorriso de uma criança e de resgatar o sorriso de um adulto enferrujado?
Não sei......
Um palhaço pode ser muito mais. Lembrais do Bobo da Corte que de bobo não tinha nada. Protegido por suas bizarrices podia livremente caçoar o rei e seu reinado, era na verdade um crítico da época medieval que sabia com destreza avaliar a realidade e torná-la pública.

O desenho centralizado acima, se refere a um palhaço gótico feito de encomenda para uma amiga muito especial: Fernanda Lima. E versa muito sobre a origem de nossa amizade....algo enlaçado pela identificação  e pelos itinérarios de comum escolha!

Exatamente por isso não desenhei um palhaço convencional: roupas de bolinha, nariz vermelho...porque nossa amizade nada tem de convencional, ao contrário se reveste com o tecido da criação constante, além do entusiamo pelas manifestações artísticas e culturais de nosso meio.

O gótico, revela a arte do duplo, de ser triste estando feliz e de ser feliz estando triste....de amalgamar tais dualidades a fim de torná-las o ponto de equilíbrio para um próximo desiquilibrar-se, pois é preciso!

Da intuição de que ...
Das lágrimas descobríamos umidez para o que estava seco....
Da amargura descobríamos um novo sabor ao misturá-la ao demasiado doce....
Dos desamores descobríamos a capacidade para amar além do ser-amado....

Enfim...

Da tristeza e da dor descobríamos a potência da arte!

segunda-feira

ARTE NO CAPS




Esta pintura fiz no Caps Maria Boneca de Uberaba para expressar a suavidade que ali se encontra. Foram alguns dias de trabalho imensamente prazeroso e gratificante, pois de alguma forma, algo de mim permanece no cotidiano dessa instituição. A experiência ali abarcada inspirou-me em cada traço, em cada cor...


Através da arte o homem encontra o que há de mais enigmático em si mesmo, pois a criatividade emerge de profundezas oceânicas... dos desdobramentos cósmicos...

Sentir o perfume das flores ou da pessoa amada,
Ver uma borboleta que acaba de pousar em uma folha orvalhada,
Ouvir uma sinfonia...uma voz...um ruído,
De um doce sendo mordido!

Um fato, um ato descarado,
Um olho piscando iluminado
Sorria! um dente pode ser um retrato,
Do sol se esvaindo agasalhado.


Tudo pode se tornar arte. O Surrealismo percebe diferentes funções em um só objeto, funções que se tornam formas, formas que se tornam cores...multiplicidade advinda de uma singularidade. Olhar para a própria vida e lhe dar outros sentidos que não aquele compulsoriamente registrado pela sociedade, é senti-la em suas várias magnitudes e possibilidades, se sentir possível, potente...um outro de si mesmo.
A arte nos ensina... basta deixá-la falar, dançar, pintar, poetizar, esculpir...basta deixá-la ser!

Obrigada Fundação Gregório Baremblitt/ Caps Maria Boneca.