segunda-feira

ACÚSTICA HUMANA

Estralam as paredes...
Ecos na cidade oca.
O que durante o dia se cala,
Na madrugada fala.
Os ponteiros do relógio latem...
Por acaso, não se sabe que a noite não pertence aos humanos?
Nem o dia, talvez.
E ainda sim eles rodam, rodam, rodam..
Rodopiam!
Como rodam e piam...
Piam, piam, piam, sem piedade.
Afinal, é verdade,
Que na luz se agitam mais.
Ai!
Tem barulho demais no dia.
Prefiro o rangido dos dentes da noite,
Mastigando o silêncio.



segunda-feira

VÊNUS E A LUA

Na infância da noite infinita,
Eis que um belo encontro habita,
O escuro manto celestial.
É ela, a pálida noiva afrodita,
Aproximando-se toda recôndita,
Do seu anjo de luz venial.
O palco-cosmo, então, se excita,
Ele e ela: hermafrodita,
Na eterna dança abismal.



quinta-feira

SABER

Não lhe quero por inteiro...
Acostumei-me com o meio saber.
Este é o meio de saber: pelo meio.
Por isso é que temos dois olhos:
Algo vejo por aqui, algo vejo por ali
E algo de algo fica vagando por entre.
Quer se despir? Tudo bem!
Meus olhos continuarão trajados.
Sim! Este é o espírito da Coisa.



segunda-feira

PALARVAS

As palavras não querem dizer nada. Elas apenas rastejam e caem apodrecidas no chão árido da expressão. As palavras, em si nada querem mesmo, elas não desejam, elas apenas significam o desejo e outras coisas mais. Não. Elas não conseguem nem mesmo significar o desejo, o que elas fazem é se juntar sobre o desejo como larvas, o comendo pouco a pouco, porque dar sentido é em essência devorar.
As palavras, ou "palarvas", devoram as coisas, consomem, usurpam, engolem, tragam e cobiçam os afetos.
Ao se pronunciarem anulam os sentimentos, se abrem para o mundo externo mas esgotam, emudecem o mundo interno.
As palavras traduzem o que sentimentos, e todos sabemos das periculosidades de uma tradução.
Por isso é que me calo. E no meu silêncio eu não significo mas também não aniquilo. É uma espécie de respeito com a própria vivência dos meus afetos, pois desconfio de que ao falar de tudo, não sinto nada de fato.
E embora eu prefira, também não quero o ato...o corpo não quer atuar nada...agora não...
O corpo também é habitado pelos significantes que também devoram, porque pelo corpo se pode sair. O corpo é também uma saída, menos capturada do que a palavra porque é potência, mas de qualquer jeito também esgota os afetos.
O que não quero deixar sair? Não é essa a pergunta.
A questão é: Como estou?
Atualmente vivo uma aparente imobilidade, um repouso, uma quietude silenciosa. Estou paralisada e inerte, mas que fique bem claro, não tem nada haver com preguiça. Creio que as pedras, as montanhas e as estrelas me compreendem bem.
E a escrita? É um ato e sem dúvida cheio de palavras, mas não é só isso, todos sabem.
Escrever é o meu melhor jeito de morrer.

Tarde...como arde,
Quente...minha mente,
Corpo...ocupado,
E eu, crepúsculo.

DESDELIRAR

Delirei...
Oh, como delirei!
Agora,
Dele irei...
Oh, como dele irei?





PRESENÇA


Em ti estou inteira.
Inteiramente,
Frouxa e estendida sobre seus braços,
Sedenta e inquieta pelos seus beijos,
Decidida a suicidar-me em seus abraços.
Quero-te...
Nas noites infinitas e eternas do meu ser,
Como uma luz macia e tépida,
Despencando sobre meu corpo úmido,
Iluminando com os olhos minhas dobras sombrias,
Estremecendo com os lábios minha carne e minhas estrias.


domingo

EU, INVERNO!

Aqui dentro venta frio...
Órgãos congelados,
Pele pálida...
Poros arrepiados.

Pensamentos em blocos de gelo,
Não derretem...
Sentimentos cobertos por neblina,
Não se aquecem...

O sangue coagulado,
Interdita a veia,
Do corpo nublado.

E as lágrimas embranquecidas,
Nevam sob a gélida face,
Há muito tempo entorpecida.



quinta-feira

TUA MORTE

Me ronda, assim às avessas, o fantasma cruel da sua morte,
Me assustando cada poro...
Me arrepiando cada pelo...
Imagino-te corpo sobre a madeira, 
Inchando até preencher todo o abraço da terra,
Explodindo teus pedaços pelo universo,
Desintegrando-se no colo do infinito.
Dói-me, saber que um dia você será o todo outra vez,
Deixando de ser um... um em mim.
E quando, em um dia de gentil chuva ,
Resolver eu visitar sua sepultura,
Sentirei ainda seu cheiro exalando da terra,
Que será para sempre o frasco do teu doce perfume.



RAZA RAZÃO

"Enfim, ela adormece...
Babando delírios na frouxidão dos pensamentos.
Assim como a luz pálida da lua se remexendo,
Sob o estrelado lençol escuro da noite".



SOBRE A TRI IS TEZA

Invisível, seu suspiro embaça os vidros da janela,
Se aconchegando no colo oco da madruga.
Como é fino e elegante esse amor,
Rastro de silêncio nos ouvidos da calçada.

Luz branca que despenca macia sobre a escuridão,
Mia pelo corredor, deixando o gato em desespero.
Como é fina e elegante essa dor,
Escura mancha escorrendo pelo espelho.

E
Vomito e imito
O
Vômito indômito
E
Minto...e minto
O
Que sinto...sinto.












quarta-feira

ADEUS, OUTRA VEZ..

Libertai-me-ei de tua sombra,
Para que eu respire esse ar meu.
Tenho me sufocado com a tua ausência,
Sonhando ardentemente com o beijo seu.

Teus lábios macios e estáticos,
Têm fugido para longe dos meus,
Sempre fervorosos e incontidos,
Na ânsia sôfrega dos seus.

Terei de perdê-lo para encontrar-me,
Confusa e tétrica entre os olhos seus,
Misteriosos buracos negros do cosmo,
Que silenciosamente engolem os meus.

Retorne Elfo, para teu incógnito bosque neblinante,
E apenas ao anoitecer, busque-me nos sonhos meus.
Mas quando for dia e abrir os olhos eu quiser,
Se esconda entre minhas sombras para que eu não escute teu Adeus.

segunda-feira

INQUIETUDE

Cai sobre mim o espectro da madrugada,
Assim como um véu fingindo esconder um mistério,
Há tanto tempo guardado, empoeirado, esquecido,
Fantasma entristecido vagando entre vísceras.

Expulso-o de mim, agora!
E caio sobre a madrugada como um espectro frio,
Lançada aos mistérios sôfregos da escuridão,
Atordoada, incógnitas vísceras entre-vagando.

Sorrateiro, o silêncio se estende entre nós...
Eu e o mundo,
O poço e o fundo.

E a alvorada vai nos comendo..
Preparando com luz a urna,
Da minha carne diurna.





domingo

DÓmingo

Manhã...
A sinfonia da luz inicia em:
Acorde!
De dó, acordo.
A-cor-da manhã é cinza que vai...
Grave, entre as minhas pestanas.
Suspiro em sustenido e conto as notas,
Para o almoço: pausa do meio dia.
Tarde, o sol é clave que se esconde por detrás das nuvens.
E com o meio tom frio dos ventos, toca as cordas arrepiadas da pele.
Então, resta-me aguardar a canção semibreve da noite,
Espero,
Estrelas em pauta no compasso da lua,
Cifras de amor!




sexta-feira

ENFIM


Entre tudo quanto estive,
Em ti estive menos.
Talvez em tuas estreitezas,
Meus espremidos desejos gotejaram,
E só.
Das cartas que nos iludiam,
Letras embriagadas ainda tentam me enganar,
Saltando do fogo em que as queimo,
Frases de fumaça se esvaindo no ar.
Não, o puro não.
Tropeços incessantes... 
É pau, é pedra, é o fim do caminho.


terça-feira

NOTURNO


Turva, a noite desenha nas silhuetas do horizonte, teus verdes olhos profundos. 
Sobre minha pele mina o desejo feito riachos de saudade. 
E tu desce permeio minha sombra, espantando todos os calafrios da solidão. 
És estrela solitária em noite chuvosa, brilho da lua despencando sob as pétalas orvalhadas.
És mistério que vagueia enebriante pela madrugada.
Teu gosto mora em minha saliva, teus lábios em minha boca, teu corpo em meu corpo, tua alma em minha alma.
Somos deste universo os cometas que riscam a existência.
Somos dessa vida o suspiro que emana dos rios, mares e oceanos.
Somos duas almas entrelaçadas na eterna dança do existir.