quarta-feira

CENTELHA DE GELO

E já passava da meia noite, quando sua mão emagrecida roçou o papel vazio e lhe imprimiu as primeiras coisas.
O que ouvia por detrás de sua embriaguês não era sequer a chuva densa que caia, senão as vozes daquilo que considerava ser ancestral.
Não demorou muito e seu peito já estava cerceado por uma penugem embranquecida.
Suas pestanas encolheram sob o sopro ardido do oco em que se encontrava.
E, então, de súbito, roubou-lhe o silêncio de si própria e o emprestou aos móveis antiquados e às penumbras que a permeiavam.
Trêmula, talvez pelo frio que entre as gretas da porta ousava perpassar, acendeu seu cigarro cambaleante.
Cada fluxo de fumaça escorregava sobre o plano invisível da realidade que criara para inventar seus próprios devaneios.
Arriscou um suspiro e denovo caiu na maciez solene de suas quimeras.
Enxergava com extrema lucidez o pálido brilho que ecoava de sua face refletida na tela do televisor, há muito desligado; e percebendo-se como infinitamente espectral, deixou de lado seu papel roçado, agora parcialmente recheado, para mastigar com os olhos sua inquietude de viver.



Um comentário:

  1. Josie, oeta sempre preciosa e bela... um anjo na luz do luar... Se possível, me ligue, necessito de ajuda, motivo é nossa experiência de Upop...
    abraços com ternura, Jorge

    ResponderExcluir