Andando de bicicleta pela noite calma e sombria, resolvi passar por uma rua escura e sólida que escondia por detrás de suas ondulações, o medo e a pressa. Num determinado lugar da rua, o medo passou, não, eu já não respeitava aquele lugar que pertencia às coisas obscuras e horrendas.
Os carros começaram a conspirar a meu favor e com seus radiantes faróis clareavam o lugar por onde os pneus de minha bicicleta percorriam. Mas, derrepente, sem motivo aparente, os carros sumiram no abismo do escuro e os pedais travaram, me impedindo de prosseguir o meu destino.
Parei rapidamente antes que caísse, e observei as marchas e a corrente para ver o que sucedera, mas o incrível foi que nada de errado havia em nenhuma parte de minha magrela.
Sem entender tal azaração, olhei para os lados à procura de ajuda, e o que somente encontrei foi escuridão, a não ser a lua que prateava certa parte do lugar onde eu estava, e então, pude ver claramente com meus olhos arregalados, que estava parada no meio de uma ponte por onde passava a merda do esgoto da cidade, ou seja, do borá, e que do meu lado direito havia outra parte em que a lua também clariava mais sombriamente, árvores e pedras intrigantes e medonhas, flores e folhas sinistras, e a água que se deslanchava em melodias bélicas e satíricas. Ao fundo se ouvia algo cantar, com uma voz aturdida, percebi que não era uma sereia, era um pássaro, esta pedra me contou, é segredo interno, interpretação.
Parada, segurando a bicicleta ainda travada, cheguei a conclusão de que aquele pássaro melancólico era eu, que seu canto passaroco eram meus pensamentos altos, que aquela escuridão pérfida era minha mente atordoada e que aquela lua nédia era simplesmente minha alma.
Agora, consciente de meus olhos inferiores, mais tranquila e sem motivo aparente, sentei na bicicleta e sem que nada mais pudesse me impedir, pedalei vagarosamente pelo resto da rua espelho.