sábado

A Esgotada

 A palavra esgotar significa “consumir algo até a última gota”, “esvaziar até o fim”, “fazer perder a força, a vitalidade”

Já a palavra esgotamento, por sua vez, significa “ato ou efeito de esgotar, exaurir”, “estado de empobrecimento ou desparecimento de recursos”.

Para Deleuze, o esgotado é muito mais do que o cansado. O cansado apenas esgotou a realização, enquanto o esgotado esgota todo o possível.

Diz ainda o filósofo: Quando se esgota o possível com palavras, cortam-se e retalham-se átomos e, quando as próprias palavras são esgotadas, estancam-se os fluxos.

O poeta Daniel Jonas sabe bem o que é isso quando diz:

"O meu poema teve um esgotamento nervoso.

Já não suporta mais as palavras.

Diz às palavras: palavras

ide embora,

ide procurar outro poema

onde habitar."

Não sei bem o que em mim se esgotou primeiro, se foram minhas palavras, minha mente, meu corpo. Só me disseram Bournot e me afastaram. E me afastei de tudo, de todas as possibilidades.

E veio o silêncio e com o ele o Inominável. Deleuze afirma, o verdadeiro silêncio não é um simples cansaço de falar...não se trata absolutamente de guardar silêncio, é preciso ver também o tipo de silêncio que se guarda.

Estar com tantas vidas no limite, limite da violência, do abuso, do abandono, da morte...produziu em mim muitos inomináveis.

Ainda hoje, mesmo após ter voltado do deserto, muitas vozes continuam caminhando comigo....e como disse Deleuze, não são as vozes dos nomes, são as vozes das ondas, dos fluxos que conduzem e distribuem os corpúsculos linguísticos.

E continua:

Não é apenas que as palavras sejam mentirosas; elas estão tão sobrecarregadas de cálculos e de significações, e também de intenções e de lembranças pessoais, de velhos hábitos que as cimentam, que a sua superfície, tão logo seja rachada, volta a se fechar.

Às palavras faltam a “pontuação de deiscência”, essa “desvinculação”, que vem de uma onda súbita e profunda e que é própria da arte.

E então, hoje eu danço e a bailaora que há em mim honra todos os Sebastiões que morreram esperando a prometida proteção social e garantia de direitos.


V(Azia)

Cerram-se os cílios da noite, não os meus. 
Na boca, tua ausência ácida supita-me queimando os cantos vazios da casa. 
O silêncio regurgita re(fluxos) de lembranças, 
 Como lavas que insistem em retornar à crosta do peito. 
 Aspiro nossas entranhas e a madrugada tosse nossos restos, 
 Irritando a mucosa do céu que vomita estrelas. 
E, então, pela última vez v(azia), bebo nosso efervescente adeus.

segunda-feira

ALUANDO

Precisei sair do dia
Adentrar a noite
Evitar o alvorecer.

Hoje, vivo entardeceres
Estouro arrebóis
Me esgueirando entre estrelas.

Ao meio dia, cega
Esbarro no mundo,
Não enxergo o que comer.

Mas, quando a lua uiva,
Eu caço,
Pois, é à noite que o sonho vem!




sexta-feira

Corpocidade

Tenho ruas por dentro
Veias viadutos
Periferias da carne
Centros humanos

Sou a cidade
Meu riso é praça de bancos-dentes quebrados
Tenho sonhos de calçada
E língua que late

Onde pisam, eu deito
Corpo cimento
Entulho de órgãos

Meu coração não tem paredes
É feito de céu
Pulsando estrelas


quinta-feira

Amor Enfermo

Nas noites escuras e silenciosas
Sentada, ao lado da cama, te observo
Amor enfermo, já pálido e desvanecido
Embrulhado numa manta de ilusões

Não é mentira que eu rezo para que se cure
Mas, também para partires logo para o sono eterno
Porque o teu sofrimento é o meu sofrimento
E sua dor, a minha dor

Mas, longa e lenta é sua agonia
Óh! jovem amor
Mal tiveste tempo de crescer e já definha
Deixando escapar todos os sonhos já sonhados

Insistes em ficar, mesmo quando já não mais está
E permaneces como um espectro fraco vagando pela casa
Enquanto em tormento eu espero...
Óh! jovem amor enfermo.



segunda-feira

O SOM DO SILÊNCIO

É hora!
Há um som de silêncio eterno
Que se escuta e não se compreende.
É o inaudito que se estende no infinito
Encerrando o fluxo da existência.

É hora!
Freneticamente um clamor chama a inércia
E se divide entre bules, plantas e roupas abandonadas
Sacramentando a orfandade dos que ficam
Com abraços enterrados em lembranças.

É hora!
Não há relógio, cronômetro ou ampulheta
Para esse tempo que chega invisível

É hora!
Como vento sorrateiro de inverno
Veio levar uma flor para dançar!





(Homenagem para minha tia Lourdes)

sábado

desAPARECER
desapareSER
DES pare SER
DESCER
DE SER
para onde?
na lama da profundidade
eternaMente enRAIZada?
SUBIR
SUB IR
acima, além?
voos altos? Sim, de Ícaro.
Borboletear, talVEZ
sem SER BOBOleta.
voos RAZAntes na superfície
dos encontros.
DEVIR
DE VIR
VIR de onde?
pré-vir..vir..virTUal.
VirAtual.
ATUAlizar-nos
atuaLIZA
potências...reticências...